sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Contra a bioadversidade

Evaristo E. de Miranda* - O Estado de S.Paulo

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,contra-a--bioadversidade-,1122235,0.htm

*Evaristo E. de Miranda é doutor em ecologia e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).


Nas áreas rurais, nas periferias urbanas e na produção agropecuária, os brasileiros enfrentam uma dura e cotidiana batalha contra a bioadversidade: pragas e doenças atacam humanos, animais, cultivos e o meio ambiente. Sem ações efetivas de gestão e controle, populações de animais selvagens, nativos e exóticos, proliferam.
Exemplo conhecido é a proliferação das capivaras em espaços urbanos e áreas agrícolas. Além da destruição na vegetação, elas disseminam a febre maculosa, por meio do carrapato-estrela, responsável pela morte de dezenas de pessoas. Isso interditou o acesso a espaços públicos em diversas cidades. As placas advertem: "Capivaras. Afaste-se. Risco de febre maculosa". Eliminá-las não é fácil e constitui crime ambiental inafiançável. As prefeituras estão de mãos atadas.
Problema análogo ocorre com a proliferação de micos, saguis e até do macaco-prego, capazes de devorar ovos e filhotes, mesmo nos ninhos mais escondidos. Eles causam o declínio e a extinção local de populações de aves, além de invadirem residências e destruírem a vegetação.
Como as pombas, os "ratos do céu", as maritacas adaptaram-se às cidades, não cessam sua expansão e causam diversos danos, até às instalações elétricas. Com a pomba-amargosa e outras pragas aladas, as maritacas chegam a impossibilitar o cultivo de girassol, sorgo e outras plantas, causam danos à fruticultura e atacam os grãos no transporte, como o amendoim.
Dois graves problemas faunísticos vieram da Argentina e do Uruguai: a lebre e o javali. A superpopulação da lebre europeia virou caso de segurança aeroviária. O grande número desses animais ágeis e de hábito noturno preocupa a operação de aeroportos. Sua reprodução crescente e rápida torna inviável a produção de hortaliças. Elas destroem plantações de maracujá, laranjais e cafezais em formação. Não há cerca ou tela capaz de contê-las. Um dos maiores prejudicados é o coelho nativo. O tapiti e seus filhotes são mortos pela lebre, que invade e ocupa suas tocas. Já o javali segue em expansão e ataca as mais diversas lavouras e ambientes naturais. Não há defesa contra esse animal agressivo que chega a 200 quilos, atua em bandos e invade até mesmo criações de suínos em busca de fêmeas. Em áreas protegidas, o javali ocupa o hábitat e concorre com a queixada e o cateto.
Sem manejo adequado, a recuperação das áreas de preservação permanente e de reserva legal, determinada pelo novo Código Florestal, criará corredores e novos espaços para ampliar ainda mais essas pragas e as doenças transmitidas. Seu contato com a fauna selvagem e doméstica ampliará a proliferação de várias doenças, como febre amarela, aftosa, lepra, raiva, leishmaniose, etc. Sem gestão territorial e ambiental, a introdução e a aproximação desses animais de áreas rurais e urbanas tornará inviável a eliminação de diversas doenças e trará novas - e difíceis - realidades ao combate às zoonoses.
A bioadversidade dos invertebrados resulta em parte da biodiversidade de mosquitos, pernilongos, carapanãs, borrachudos e assimilados. A dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, ultrapassou 1,5 milhão de casos em 2013, três vezes mais do que em 2012! Um recorde como nunca antes se viu na História deste país. Foram 500 mortes registradas. E prosseguem crônicas a febre amarela, a malária, a oncocercose, etc.
A bioadversidade provocada por vermes e assimilados também vai bem. Esquistossomose, Chagas, toxoplasmose, amebíases, lombrigas e giardíases proliferam. A falta de saneamento e de água tratada afeta criticamente tanto populações amazônicas ao longo de grandes rios como a periferia de cidades e áreas rurais. Mais de 88% das mortes por diarreia se devem à falta de saneamento e 84% dessas mortes atingem as crianças. As infecções são contraídas pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Apesar dos progressos (entre 2010 e 2011 houve um aumento de 1,4 milhão de ramais de água e 1,3 milhão na rede de esgotos), não se coleta nem metade do esgoto. E, do coletado, apenas 38% recebe algum tratamento. As inundações de verão, além de deslizamentos, trazem a leptospirose e o perigo do tifo e do tétano.
Os exércitos de carrapatos, percevejos, moscas, mutucas, baratas, escorpiões, aranhas, morcegos hematófagos e transmissores da raiva, caramujos gigantes, serpentes peçonhentas e outras ameaças sempre recebem reforços externos. A recém-chegada lagarta Helicoverpa armigera já trouxe prejuízos de bilhões à agricultura brasileira! Isso não se resolve apenas com reflexões metafísicas. É preciso agir.
Explicações simplistas de que o desmatamento ou o "desequilíbrio ecológico" levam esses animais a se refugiar em cidades não servem nem como piada. No mundo inteiro existem gestão e manejo ambiental, como abate direcionado de animais e uso preventivo do fogo, por exemplo, até em unidades de conservação. No Brasil não se pode fazer manejo e gestão ambiental nem sequer em áreas agrícolas. Capacitar técnicos para o manejo seria indução ao crime. A política resume-se a aplicar redomas legais de proteção sobre territórios e espécies, mesmo se invasoras ou em superpopulação. Não existem ações efetivas de controle dessas populações.

A situação sanitária atual e futura precisa ser objeto de uma atenção mais racional e preventiva. Como enfrentar essa bioadversidade quando qualquer tipo de caça é crime e a posse de armas, mesmo em áreas rurais isoladas, é quase impossível? Maior que o desafio de preservar a natureza é o de geri-la e controlar suas populações animais. Enfrentar a bioadversidade exige, além de financiamento, um cabedal de ciência, inovação e competência, algo raro, quase em extinção, no campo ambiental.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Nosso frágil planeta

Examinemos algumas declarações que refletem uma visão tida como absolutamente inquestionável. 
"O mundo em que vivemos é belo, mas muito frágil".  Ou "A terceira pedra do sol, também conhecida como Planeta Terra, é um oásis bastante frágil".  Eis algumas frases divulgadas no Dia da Terra: "Lembre-se de que a Terra tem de ser salva diariamente".  "Lembre-se da importância de cuidar do nosso planeta.  É o único lar que temos."

Tais declarações, sempre acompanhadas de previsões apocalípticas, são rotineiramente feitas tanto por ambientalistas extremistas quanto pelos não-extremistas.  Pior ainda é o fato de que esta doutrinação sobre a "terra frágil" é infundida em nossa juventude desde o jardim de infância até a universidade.  Sendo assim, examinemos o quão frágil a terra realmente é.
Em 1883 houve a erupção do vulcão Krakatoa, localizado onde hoje é a Indonésia.  Tal erupção teve a força de 200 megatons de TNT.  Isso é o equivalente a 13.300 bombas atômicas de 15 quilotons cada uma (15 quilotons é aproximadamente a capacidade explosiva da bomba que devastou Hiroshima em 1945). 

Antes desta erupção, houve a erupção do vulcão Tambora, em 1815, também localizado onde hoje é a Indonésia.  Esta ainda detém o recorde de ser a maior erupção vulcânica da história.  Ela cuspiu tantos detritos na atmosfera, que a luz solar foi bloqueada.  Consequentemente, o ano de 1816 passou a ser conhecido como o "Ano em Que não Houve Verão" ou "O Verão que Nunca Ocorreu".  As consequências foram plantações completamente destruídas, perdas totais de safras agrícolas e a dizimação de animais em grande parte do Hemisfério Norte, o que gerou a pior fome do século XIX.
Já a erupção do Krakatoa no ano 535 d.C. foi tão violenta, que bloqueou quase que toda a luz e todo o calor oriundos do sol por 18 meses.  Há quem diga que foi esse evento que deu origem à Idade das Trevas.

Geofísicos estimam que apenas três erupções vulcânicas — Indonésia (1883), Alasca (1912) e Islândia (1947) — jogaram na atmosfera mais dióxido de carbono e dióxido de enxofre do que todas as atividades humanas o fizerem ao longo de toda a nossa história.

E como o nosso frágil planeta lidou com dilúvios?  A China provavelmente é a capital mundial das inundações colossais.  A inundação de 1887 do Rio Amarelo matou entre 900.000 e 2 milhões de pessoas.  Já as inundações de 1931 foram ainda piores, causando um morticínio estimado entre 1 e 4 milhões.  Mas a China não detém o monopólio das enchentes.

Entre 1219 e 1530, a Holanda vivenciou enchentes que mataram aproximadamente 250.000 pessoas.
E o que dizer dos terremotos que assolam o nosso frágil planeta?  Houve o terremoto de Valdivia, no Chile, em 1960.  Foi o mais violento terremoto já registrado na história, chegando 9,5 graus na escala Richter, uma força equivalente a 1.000 bombas atômicas explodindo simultaneamente.  Já o terremoto ocorrido em 1556 na província de Shaanxi, na China, foi o mais mortífero da história: matou 830.000 pessoas e devastou uma área de 1.300 quilômetros quadrados.

Mais recentemente, houve o terremoto de dezembro de 2004 no Oceano Índico, que alcançou uma magnitude 9,1 graus na escala Richter e gerou o devastador tsunami de 26 de dezembro, que atingiu majoritariamente a Indonésia, o Sri Lanka, a Índia, a Tailândia e as Maldivas e matou mais de 230 mil pessoas.  E não nos esqueçamos do terremoto de 9 graus na escala Richter que devastou o leste do Japão em março de 2011 e matou mais de 28 mil pessoas.

Nosso frágil planeta também já teve de enfrentar terrores vindos do espaço.  Dois bilhões de atrás, um asteróide atingiu a terra e criou a cratera de Vredefort, na África do Sul.  Ela possui 300 km de diâmetro, o que faz dela a maior cratera de impacto do mundo.  Em Ontário, Canadá, há a Bacia de Sudbury, a segunda maior cratera de impacto da terra, resultante da queda de um meteoro ocorrida há 1,8 bilhão de anos.  Ela possui um diâmetro de 130 km.  Já a cratera de Chesapeake Bay, no estado americano da Virginia, é um pouco menor, tendo um diâmetro de 85 km.  E finalmente há a famosa, porém miúda, Cratera de Barringer, no Arizona, cujo diâmetro não chega nem a 2 km.

Citei aqui apenas uma ínfima fração de todos os eventos cataclísmicos que já atingiram a terra — e ignorei várias outras categorias, como tornados, furacões, queda de raios, incêndios, nevascas, avalanches, deslizamentos de terra, movimento de continentes, raios solares, manchas solares, tempestades magnéticas, inversão magnética dos pólos, erosão, raios cósmicos e eras glaciais.  Não obstante todos estes eventos cataclísmicos, nosso frágil planeta sobreviveu. 

Logo, minha pergunta é: dentre todos estes poderes da natureza, qual pode ser igualado pelo homem?  Por exemplo, conseguiria a humanidade reproduzir os efeitos poluidores da erupção do vulcão Tambora, ocorrida em 1815?  Ou, quem sabe, reproduzir o impacto do asteróide que aniquilou os dinossauros?  É o cúmulo da arrogância acreditar que a humanidade pode gerar alterações paramétricas significativas na terra ou que ela possa igualar as forças destrutivas da natureza.

Ocasionalmente, ambientalistas se entusiasmam além da conta e acabam inadvertidamente revelando suas verdadeiras intenções.  O famoso biólogo eco-socialista Barry Commoner disse que "O capitalismo é o inimigo número um do planeta".  Já Leo Marx, professor do MIT, disse que "Em termos ecológicos, a necessidade de termos um governo mundial dispensa debates".

Com o colapso da URSS, o comunismo perdeu sua até então considerável respeitabilidade.  Atualmente, ele adquiriu uma nova embalagem e se apresenta sob as formas de ambientalismo e progressismo.

Walter Williams é professor honorário de economia da George Mason University e autor de sete livros.  Suas colunas semanais são publicadas em mais de 140 jornais americanos.

Tradução de Leandro Roque